Cubanos se preparam para guinada na direção do capitalismo

Quando Cuba legalizar a compra e venda de imóveis, os moradores esperam uma cascata de mudanças: preços mais altos, deslocamento em massa, impostos sobre propriedades e uma enxurrada de dinheiro de cubanos nos EUA e em outras partes do mundo

The New York Times
Damien Cave, em Havana (Cuba)

José é um ávido quase empreendedor com grandes planos para os imóveis cubanos. No momento, ele trabalha ilegalmente em trocas, colocando em contato famílias que desejam trocar imóveis e pagar um extra pelo que houver de melhor.
Mas quando Cuba legalizar a compra e venda no final do ano –como o governo prometeu novamente nesta semana– José e muitos outros esperam uma cascata de mudanças: preços mais altos, deslocamento em massa, impostos sobre propriedades e uma enxurrada de dinheiro de cubanos nos Estados Unidos e em outras partes do mundo.
“Haverá uma demanda imensa”, disse José, 36 anos, que se recusou a dizer seu sobrenome. “Está proibido há muito tempo.”
Propriedade privada é o núcleo do capitalismo, é claro, de modo que o plano para legitimá-la aqui, em um país de slogans como “socialismo ou morte”, é de cair o queixo para muitos cubanos. De fato, muitas pessoas esperam regulamentações onerosas e até já existe um plano traçado pela imprensa estatal, que reprimiria o mercado ao limitar os cubanos a uma casa ou apartamento, e exigindo moradia em tempo integral.
Mas mesmo com algum controle do Estado, dizem os especialistas, as vendas de imóveis poderiam transformar Cuba mais do que qualquer outra reforma econômica anunciada pelo governo do presidente Raúl Castro, algumas delas apresentadas na Assembleia Nacional na segunda-feira. Em comparação às mudanças já aprovadas (mais trabalhadores autônomos e propriedade de celulares) ou propostas (venda de carros e relaxamento das regras de emigração), “nada é tão grande quanto isso”, disse Philip Peters, um analista do Instituto Lexington.
As oportunidades de lucros e empréstimos seriam muito maiores do que as pequenas empresas de Cuba oferecem, dizem os especialistas, criando potencialmente as disparidades de riqueza que acompanharam a propriedade de imóveis em lugares como o Leste Europeu e a China.
Havana, em particular, pode estar prestes a voltar no tempo, para quando era uma cidade mais segregada por classe.
“Haverá uma reorganização imensa”, disse Mario Coyula, diretor de urbanismo e arquitetura de Havana nos anos 70 e 80. “Ocorrerá a valorização.”
Efeitos mais amplos poderão se seguir. As vendas encorajariam as reformas muito necessárias, criando empregos. O setor bancário expandiria porque, segundo as regras recém-anunciadas, os pagamentos viriam das contas dos compradores. Enquanto isso, o governo, que atualmente é dono de todos os imóveis, entregaria as casas e apartamentos para seus moradores em troca de impostos sobre as vendas –algo impossível no atual mercado de troca, onde o dinheiro é transferido às escondidas.
E há o papel dos emigrantes cubanos. Apesar de o plano parecer proibir a propriedade por estrangeiros, os cubanos-americanos poderiam tirar proveito das regras do governo Obama, que permitem que enviem quanto dinheiro quiserem para parentes na ilha, alimentando as compras e lhes dando uma participação no sucesso econômico de Cuba.
“Politicamente, este é um desenvolvimento extremamente poderoso”, disse Peters, argumentando que poderia provocar mudanças políticas em ambos os países.
A taxa de mudança, entretanto, provavelmente dependerá das complicações peculiares de Cuba. A chamada Pérola das Antilhas sofria com moradias pobres antes mesmo da revolução de 1959, mas a deterioração, as regras rígidas e gambiarras criativas criaram o atual amontoado de estranhezas.
Não há imóveis vagos em Havana, apontou Coyula, o planejador urbano. Toda moradia tem alguém morando nela. A maioria dos cubanos está basicamente presa onde está.
Na orla marítima no centro de Havana, as crianças espiam de prédios que deveriam ser condenados, com um terço da fachada faltando.
A poucas quadras no sentido do interior, cubanos como Elena Acea, 40 anos, subdividiram os apartamentos a proporções de Alice no País das Maravilhas. Seu imóvel de dois quartos agora tem quatro quartos, com um mezanino de compensado onde dois enteados moram um sobre o outro, mal capazes de ficarem em pé em seus próprios quartos.
Como muitos cubanos, ela espera se mudar –trocar seu apartamento por três lugares menores, para que seu filho mais velho, com 29 anos, possa começar sua própria família.
“Ele vai se casar”, ela disse. “Ele precisa se mudar.”
Mas apesar das garantias –na segunda-feira, Marino Murillo, o ministro da Economia, disse que a venda não precisará de aprovação prévia do governo– Acea e muitos vizinhos parecem desconfiados da promessa do governo de abrir mão. Alguns cubanos esperam regras forçando os compradores a manterem os imóveis por cinco ou 10 anos. Outros dizem que o governo dificultará para que os lucros saiam da ilha, por meio de impostos exorbitantes ou limites cambiais.
Outros, como Ernesto Benitez, um artista de 37 anos, não consegue imaginar um mercado realmente aberto.
“Eles vão estabelecer um preço, por metro quadrado, e pronto”, ele disse.
É claro, ele acrescentou, os cubanos responderiam estabelecendo seus próprios preços. E isso poderia ser suficiente para estimular um movimento, ele disse.
Ele certamente espera que sim. Benitez e a mulher com quem viveu por quase uma década se separaram há 18 meses. Cada um deles está agora namorando uma nova pessoa e há noites, eles reconhecem, em que a situação fica um tanto incômoda. Apenas um banheiro estreito separa seus quartos.
Katia Gonzalez, 48 anos, cujos pais passaram para ela o apartamento antes de morrerem (algo que Cuba permite), disse que consideraria vendê-lo por um preço justo. O quanto ela pensa que vale seu imóvel com dois quartos, a apenas duas quadras do oceano, no melhor bairro de Havana?
“Ah, US$ 25 mil”, ela disse. “Um pouco mais, talvez US$ 30 mil.”
Em Miami, um apartamento semelhante poderia custar quase 10 vezes mais do que isso –algo que muitos cubanos-americanos parecem estar pensando. José e vários outros corretores em Havana disseram que transações imobiliárias no mercado negro rotineiramente envolvem dinheiro dos cubanos no exterior, especialmente na Flórida.
“Há sempre dinheiro vindo de Miami”, disse Gerardo, um corretor que não quis que seu nome inteiro fosse citado. “O cubano em Miami compra uma casa para seu primo em Cuba, e quando ele vem passar o verão aqui por dois meses, ele fica hospedado naquela casa.”
Tecnicamente, isso é uma violação do embargo comercial iniciado sob o presidente Dwight D. Eisenhower. Segundo o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos, negócios ou investimentos com cubanos são proibidos. Receber dinheiro ou lucro de Cuba também é ilegal.
Mas as regras são turvas na prática. Transações familiares –muitas envolvendo emigrantes recentes– parecem estar expandindo com um piscar da Casa Branca. O apoio aos negócios privados agora é encorajado segundo a licença geral que permite que cubanos-americanos visitem seus parentes, e em 2009, o presidente Barack Obama estabeleceu uma política permitindo que cubanos-americanos visitem a ilha sempre que quiserem e enviem remessas de dinheiro sem limites para parentes.
Além disso, a fiscalização contra indivíduos, diferente de empresas, é praticamente inexistente: nos últimos 18 meses, apenas um americano foi penalizado por violar as sanções, com uma multa de US$ 525, segundo um relatório do Congresso publicado no mês passado.
Os especialistas dizem que a diáspora cubana já começou a criar classes sociais em Cuba. Os emigrantes cubanos enviaram de volta ao país aproximadamente US$ 1 bilhão em remessas de dinheiro no ano passado, como mostram estudos, com uma proporção cada vez maior desse dinheiro financiando novos capitalistas que precisam de um forno de pizza ou outros equipamentos para trabalharem de modo privado. Os imóveis apenas expandirão isso, dizem os especialistas, e ofertas já estão chegando.
Ilda, 69 anos, mora sozinha em um apartamento com cinco quartos, no 9º andar, com vista para o mar. Neste mês, um casal cubano-americano em visita –“chique, bem vestido”, ela disse– fez uma oferta de US$ 150 mil pelo apartamento, sem se preocupar com qualquer proibição de propriedade de imóveis por estrangeiros.
“Eu disse a eles que não podia”, disse Ilda “Nós estamos aguardando pela lei.”
Mesmo quando a lei mudar, ela disse, ela preferiria uma “permuta”, porque isso lhe garantiria um lugar para morar.
O medo dela de não ter para onde ir é comum. Um recente estudo, de autoria de Sergio Diaz-Briquets, um especialista em demografia em Washington, apontou que Cuba tem um déficit de 1,6 milhão de moradias. O governo diz que o número é mais próximo de 500 mil, ainda assim um problema sério.
Coyula disse que o dinheiro das vendas pode não ser suficiente para consertar a situação, já que praticamente não há um setor de construção, processos para emissão de licenças ou materiais de construção.
Outros problemas também poderiam precisar ser revistos.
“Não acontecem despejos aqui desde 1939”, ele disse. “Há uma lei que os proíbe.”
Há também a questão de como compradores e vendedores se encontrarão. Classificados são ilegais em Cuba, o que explica o motivo de corretores como José passarem seus dias circulando em feiras ao ar livres com cadernos, anotando os apartamentos oferecidos e desejados.
Ele já tem dois funcionários, e quando a nova lei chegar, independente de seus serviços serem legalizados ou não, ele espera contratar mais.
“Nós precisamos de coordenação”, ele disse. “Isso virá.”

Tradução: George El Khouri Andolfato

http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/nytimes/2011/08/03/cubanos-se-preparam-para-guinada-na-direcao-do-capitalismo.jhtm

Sobre Paulo Rios

Paulo Rios nasceu em Barão de Grajaú e formou-se na Universidade Federal do Maranhão (UFMA), no curso de História, em 1997. Ao obter o mestrado em 2001 tornou-se historiador e o doutorado em Políticas Públicas em 2007 o fez, de certa maneira, cientista político. Ao longo dos anos, fez-se militante: do movimento estudantil florianense, passando pelo movimento sindical e partidário em 33 anos de militância e experiência política, em prol de muitas categorias onde atuou: processamento de dados, bancários, servidores do Judiciário Federal e MPU, educação pública básica e ensino superior, além do movimento popular.
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Uma resposta a Cubanos se preparam para guinada na direção do capitalismo

  1. pericles rios diz:

    acabou o sonho socialista, acabou a utopia de cuba. é um pesadelo, não é a libertação do povo cubano , povo covarde que idolatra um velho decrépito sem capacidade de reação,que merecem o que estãos passado.

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